Pedrinho sinaliza tendência para letras. Posso imaginar o pai dele dizer: “ só se fizer bem a você como ser humano, caso contrário fique onde está; repita papéis, salve vidas, construa casas”.
Engenheiro empedernido, meu irmão não entenderia o filho enveredar por caminho que não fosse construtivo. Sólido em todos os sentidos. Jamais compreenderia o menino declinar de tardes ensolaradas para se trancafiar em bibliotecas. Meu irmão foi menino que gostava de jogar futebol, andar de bicicleta e fazer arte. Masturbação intelectual não lhe é compreensível. Um golpe do destino. Ele levaria o filho ao Bataklan mais próximo, sem hesitar.
Meu irmão é prático. E masturbação não é com livros. Pura sabedoria de vida. Orgasmo intelectual lhe é um tanto repugnante. Homem algum deve desconsiderar certas nuances de sua constituição psíquica em prol de realidades ideais. Pode ser perigoso. A repressão dessas nuances está no cerne da maldade, ou da loucura destrutiva. Aquela que pode bater à porta a qualquer momento numa vida em que se prescindiu de autoentendimento, sensibilidade e amor. O que o exercício intelectual, em si, não proporciona.
O que considero pior são os desvios. A pseudo-erudição, por exemplo. O arroto sistemático de fontes. Que li isso, li aquilo. Desde que seja um clássico consagrado e, se moderno, tenha títulos acadêmicos e livros com ISBN. Não reconhecer um Dostoiévsky moderno pela ausência de títulos e se apegar a critérios de avaliação estritamente extrínsecos, sem considerar a pertinência ou a essência do que é lido. Tudo isso para aumentar a bagagem erudita a ser exposta para impressionar a parvonice circundante. Escrevo porque li Fulano, Sicrano.
E a arqueologia de si, o perscrutar a matéria que cada um carrega. Isso também rende escrita. Adoro Clarice Lispector porque ela tem forte esse aspecto de investigar sua matéria literária num esforço intelectivo e intuitivo louváveis. Não escreveu o que escreveu porque leu algum clássico que pudesse repetir. Não foi um robô programado por um algum autor precedente.
Se pudesse, envolveria meu sobrinho numa redoma e o livraria de tantos percalços. Tem-se arraigada a impressão de que amor é proteção. E não é só. Que se descortine o caminho e seus leques de acertos e erros com os quais muito se aprende.
Salva que Pedrinho tem boa índole, é ser humano do bem, e não precisa se autoafirmar às custas de nenhum autor clássico, lido ou não lido. Claro que deve ler bons clássicos. E com isso se burilar a ponto de descobrir a própria voz. E não ficar eternamente refém do que foi lido.
Leia bastante, querido. E também se deixe envolver pelas lindas tardes da guanabara. E pelas lindas garotas, também.
Ah, e venha para a blogosfera, viu?!
Beijos (sei que você lê o que escrevo).
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