Relutei em assistir à peça Sexton, inspirada na vida da poeta americana Anne Sexton. Se temos a obra da poeta, o que pode interessar a vida dela? No caso de Anne Sexton, poeta declaradamente confessional, vida e obra se misturam, o que não justifica a exploração de sua biografia.
Por outro lado, a arte pode se mover também disso, de vidas que não cabem em seu próprio tempo e exalam e transbordam. Sexton é uma boa peça. Muito intensa. A vida de Anne Sexton foi intensa e rendeu um roteiro que coube em mais de duas horas de peça sem qualquer intervalo, que encerrou com a declamação apoteótica de um poema de Anne pela atriz que a interpretou, Jessica Costa, de Brasília. A atriz chorou, choramos todos, cúmplices da arte/vida de Anne Sexton.
Quanta entrega a uma personagem pela atriz, que nos trouxe uma Anne plangente. Uma criança que engatinhava em seus pântanos. Uma mulher atrevida que conheceu seus abismos. Uma poeta ousada.
Parabéns também à Julianna Gandolfe e Helena Machado, brasilienses, que escreveram o roteiro, fiel à Anne Sexton.
Não poderia faltar um poema, com ares saturninos, de Anne, em (tentativa de) tradução minha e da Aline Aimeé (extraído do livro The Complete Poems, Anne Sexton, Mariner Books) :
The Fury of Sunsets
Something
cold is in the air,
an aura of ice
and phlegm.
All day I've built
a lifetime and now
the sun sinks to
undo it.
The horizon bleeds
and sucks its thumb.
The little red thumb
goes out of sight.
And I wonder about
this lifetime with myself,
this dream I'm living.
I could eat the sky
like an apple
but I'd rather
ask the first star:
why am I here?
why do I live in this house?
who's responsible?
eh?
........
A fúria dos pores-do-sol
Algo
frio está no ar,
uma aura de gelo
e apatia
Todos os dias construí
um tempo meu e agora
o sol afunda-se para
o desfazer.
O horizonte sangra
e chupa o seu polegar
o pequeno polegar vermelho
desaparece.
E eu me interrogo sobre
este tempo comigo,
este sonho que vivencio.
E podia comer o céu
como uma maçã
mas prefiro
perguntar à primeira estrela:
porque estou aqui?
porque vivo nesta casa?
quem é o responsável?
heim?
Algo
frio está no ar,
uma aura de gelo
e apatia
Todos os dias construí
um tempo meu e agora
o sol afunda-se para
o desfazer.
O horizonte sangra
e chupa o seu polegar
o pequeno polegar vermelho
desaparece.
E eu me interrogo sobre
este tempo comigo,
este sonho que vivencio.
E podia comer o céu
como uma maçã
mas prefiro
perguntar à primeira estrela:
porque estou aqui?
porque vivo nesta casa?
quem é o responsável?
heim?
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