segunda-feira, 29 de julho de 2013

Sarau..



blake

Jorge Luis Borges (antologia, p. 324, editora Companhia das Letras).

Onde estará a rosa que em tua mão
prodiga, sem saber, íntimos dons?
Não está na cor, porque a flor é cega,
nem na doce fragrância inesgotável,
nem no peso da pétala. Essas coisas
são alguns poucos e perdidos ecos.
A rosa verdadeira está bem longe.
Pode ser um pilar ou uma batalha
ou um firmamento de anjos ou um mundo
infinito, secreto e necessário,
ou o júbilo de um deus que não veremos
ou um planeta de prata em outro céu
ou um arquétipo que não tem a forma
dessa rosa.

......


o fazedor

Jorge Luis Borges (antologia, p. 326, editora Companhia das Letras)

Somos o rio que invocaste, Heráclito.
Somos o tempo. Seu intangível curso
Arrasta os leões e as montanhas,
Pranteando amor, cinzas do deleite,
Insidiosa esperança interminável,
Vastos nomes de impérios que são pó,
Hexâmetros do grego e do romano,
Lúgubre um mar sob o poder da aurora,
O sono, em que pregustamos a morte,
As armas e o guerreiro, monumentos,
As duas faces de Jano que se ignoram,
Os labirintos de marfim que urdem
As peças de xadrez no tabuleiro,
A rubra mão de Macbeth que pode
Ensanguentar os mares, o secreto
Trabalho dos relógios entre as sombras,
Um incessante espelho que se fita
Em outro espelho, e ninguém para vê-los,
Lâminas aceradas, letra gótica,
Uma barra de enxofre em um armário,
Pesadas badaladas da insônia,
Auroras e poentes e crepúsculos,
Ecos, ressaca, areia, líquen, sonhos.
Não passo da imagem que o acaso
Vai embaralhando e que nomeia o tédio,
Com ela, mesmo alquebrado,
Hei de lavrar o verso icorruptível
E (é meu dever) salvar-me.







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