segunda-feira, 20 de janeiro de 2014

Uma paixão muito obscura

Uma pessoa me disse, outro dia, que é apaixonado pela atriz de cinema Angelina Jolie. Logo depois, a namorada dele retrucou: “Credo, uma mulher tão perversa. Você sabia que ela veste a filha pequena de menino e a ridiculariza perante o mundo todo?”. Fiquei pasma, não sabia que a Angelina Jolie vestia a filha de menino. Pesquisei na internet e é verdade. A meu ver, Angelina Jolie está longe de ser uma boa atriz e seus filmes são bem ruinzinhos. Apesar disso, ela é uma espécie rasa de “estrela” holywoodiana.

O que me fez pensar sobre a idolatria de astros da mídia e a idolatria em geral. Dá para escolher quem idolatrar ou a idolatria é irracional? Angelina Jolie é muito bonita, o que pode despertar paixões e idolatrias. Mas a idolatria resistiria à revelação bombástica da falha de caráter do idolatrado? O dito carisma resistiria ao mau caráter de quem o possui? Você idolatraria uma mulher que veste a própria filha de menino e a ridiculariza perante o mundo todo? Uma mulher que manipula o caráter da própria filha. Claro que me eximo de qualquer julgamento. A coisa está estampada para quem quiser emitir opiniões. Sei que uma criança de três ou quatro anos de idade, época em que a menina começou a ser vestida de menino e assim aparecer na mídia mundial, não escolhe a própria roupa de modo a impor sua vontade à dos pais. Parece mesmo que a menina é vestida daquela forma para que fique feia e masculinizada. Algo estarrecedor. 

A palavra é incômoda: idolatria. Melhor se não existisse. Não combina com a era de aquário, e aquela coisa toda de uma maior liberação e formas de amar e de se relacionar mais inteligentes. Nada de idolatria. Como um todo, pode-se estar longe desse ideal. No caminho, quem sabe. O caminho de aquário. Acredito que é uma mudança, sobretudo, na forma de pensar individualmente. Ninguém obriga ninguém a idolatrar, podem dizer. É mesmo. Não há qualquer imposição exterior nesse sentido. A questão reside nos lapsos e carências do próprio idólatra.

Idolatria remete a submissão que rima muito bem com humilhação. O idólatra parece meio ridículo. No fundo, ainda que não saiba, está humilhado. O idólatra dá bandeira de que não tem muito discernimento a medida em que pode idolatrar até mesmo alguém com falhas graves de caráter e não enxergar tais falhas. O idólatra pode fingir que não vê quem é o idolatrado, que pode existir somente de forma idealizada. Percebam que o apego pode existir em relação à idolatria em si, mais do que ao idolatrado. Pode-se mudar de idolatrado e permanecer a idolatria. 

Discernimento sim, é uma palavra elegante. Anda de mãos dadas com inteligência e bom senso. Os sentidos se entrelaçam. A beleza de uma palavra, para mim, tem a ver com sua essência. Uma beleza semântica, digamos assim. 

O idolatrado não tem uma natureza lá muito diferente do idólatra, a meu ver. Duas faces da mesma moeda. Se alguém é idolatrado, com certeza necessita da idolatria alheia, ainda que não contribua para ela, pelo menos aparentemente. E é mantida uma engrenagem opressora e obsoleta. 

Bem, melhor mesmo correr de seres maravilhosos ou idolatráveis. Correr ou ficar parado, vendo o bonde passar. Ninguém é tão especial a ponto de merecer a idolatria alheia, o que me parece uma forma de relacionamento muito primitiva, em que as partes estão em desequilíbrio. Pode-se admirar outra pessoa, claro. Admirar parece melhor, mais saudável. Admira-se alguém por algum motivo real, não se comete loucuras pelo admirado. A admiração parece oriunda de uma escolha enquanto a idolatria é um afeto que pode ser muito grave e desgastante. Parece uma projeção fruto de uma carência ou desconexão exacerbada que atinge tanto quem idolatra quanto quem é idolatrado, se o idolatrado alimenta a idolatria por precisar dela. O que me parece uma espécie de perversão semelhante à da Angelina Jolie.

2 comentários:

Fábio Murilo disse...

Muito bom esse texto Ana!!!! Adorei! E essas palavras finais... Bem esclarecedoras. Os ídolos comem, bebem, comentem seus deslizes, suas gafes, são grosseiros, educados, adoecem, fazem suas necessidades fisiológicas... Enfim gente igual a gente, a qualquer reles mortal. Mas preferimos vê-los como padrões, como projeções dos nosso ideias, por isso o amamos desesperadamente.

Ana Lucia Franco disse...

É mesmo, Fábio! De um modo geral, falta racionalidade quando há idolatria. Obrigada por compartilhar.

beijos.