O poeta Mario Quintana escreveu: "não devemos tentar conjugar o inexplicável". Perdoe, poeta, hoje tento conjugar o inexplicável.
Não compareci ao enterro de Márcia, há algumas semanas. Mas foi como se eu estivesse lá, em intenção, em pensamento. Não queria vê-la morta. Preferi guardar a imagem da última vez que a vi, quando nos despedimos e ela sorriu calorosamente, como gostava.
No dia em que Márcia era velada no Campo da Esperança, em Brasília, guardei-me do cotidiano, fui para um lugar isolado e me lembrei dela, de sua história, de sua família. A mãe dela, tão delicada e amorosa. O pai, os irmãos. Era família unida, bonita. O que havia na geografia de Márcia que a fez atrair o que atraiu. Ela não merecia. Ninguém merece. Seu desfecho subverteu a lei de causa e feito, do "atraímos o que vibramos" ou coisas do tipo. Márcia não vibrava aquilo, não vibrava o horror que atraiu, pelo menos numa análise superficial e simplista.
Neste dia mesmo, retornou-me um questionamento antigo: o que faz alguém vir para a internet, criar um blog. No exato dia em que Márcia desapareceu, eu pensava nisso quando liguei para ela para nos vermos no meu aniversário, em 11 de março. Não obtive retorno, o que me deixou, sei lá, com uma impressão ruim. Márcia era muito atenciosa. Jamais receberia um telefonema, uma mensagem e não retornaria. Procurei manter contato com sua família e alguns dias depois soube do seu desaparecimento e foi como se as peças de um quebra cabeças se encaixassem. Talvez todo o meu movimento de criar um blog tenha sido exatamente para compartilhar a história de Márcia. Como se a trajetória dela servisse de exemplo para alguma coisa ou alguém. Exatamente por isso reavivei o blog. Para falar de Márcia, contar sua história que é a história de tantas outras Márcias que não chegam a morrer da forma que ela morreu, mas "sempre morrem um pouco". Assim, sempre que este blog for acessado, será acessada a imagem de Márcia, a história dela. Este blog poderá ser acessado setecentas vezes de uma vez, que setecentas vezes aparecerá o rosto e a história de Márcia.
Ela desapareceu em 9 de março e foi encontrada em 26 de março. Seu corpo estava irreconhecível, transfigurado. Foi reconhecida por seu irmão, por causa de um anel que ela gostava de usar. De outro modo, se não fosse pelo anel, ela jamais seria reconhecida. Havia o anel, as roupas. Não encontraram os óculos cor de rosa com que Márcia via a realidade e em especial o relacionamento que culminou num desfecho trágico. Espero que ela não os tenha levado para onde está agora. Espero que os óculos cor de rosa tenham se desintegrado e dado lugar a uma visão lúcida, sincera e libertadora de seu processo.
Descanse em paz, amiga. Posto aqui uma música de que Márcia gostava bastante e que resume o que era a verdadeira Márcia. É por meio desta música que ela será lembrada aqui.
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