segunda-feira, 6 de janeiro de 2014

As escravas brancas do Nepal.


                  (horizontes, foto minha)


"As escravas brancas do Nepal, ao atravessarem o deserto, levantaram suas cabeças e olharam horizontes diáfanos que pareciam diluídos". Li isso há muito tempo, uma notícia de jornal de que me recordo às  vezes. Uma lembrança que retorna e se enrosca ao meu tempo. Decidi escrever sobre isso. As escravas brancas do Nepal querem ganhar voz. Empresto meu verbo e emprestaria mais se pudesse. Minha poesia, meu tempo, minha arte. Enquanto houver uma única mulher escravizada, humilhada, é como se todas fossem. 

Para onde iriam as escravas do Nepal, ao atravessarem o deserto? Iriam forçadas ou de livre e espontânea vontade, fascinadas pela escravidão? Porque levantaram seus olhos; olhares se perderam em diáfanos horizontes. O que gerou tal movimento em mulheres escravas. 

Não há situação mais humilhante do que a escravidão, de que natureza for. De que título for. Forçada ou não.  Fruto de um propósito de vida, uma escolha, do acaso. Mesmo que não se saiba ou não se queira saber que se é escravo. Em todas as situações, a humilhação está presente. Gera rancor. O escravo, paulatinamente, se torna um parasita. O parasitismo é um estado de escravidão. Todo parasita é um escravo que muitas vezes não sabe exatamente o que o escraviza. Situação em que algo muito sutil se foi. Tenho certeza de que por mais difícil que tenha sido a escolha de vida de cada um, ninguém merece se tornar um parasita. Quem gostaria de ver um irmão, uma irmã, um filho, uma filha, de repente, viver em função de parasitar e perseguir os outros. A situação requer muita paciência, muito amor, muita caridade. A vida poderá ser restituída a seu fluxo, mais cedo ou mais tarde. 

As escravas brancas do Nepal ergueram os olhos. Chamem do que for, eu chamo de espírito esta força que fez os olhos das escravas emergirem da humilhação e buscarem horizontes que expressam a liberdade ou o sentido de vida perdido. Onde a escravidão se instalou, o espírito se foi, por isso o parasitismo. Mesmo assim, os olhos podem se levantar e reconhecer horizontes, ainda que diáfanos. Ainda que não passem de meros traços esfumaçados.  

O espírito  levantou os olhos das escravas. E as colocou diante de horizontes, ainda que  vagos. O que as escravas procuravam quando  certamente deveriam mirar  a terra batida ou a areia esvoaçante do deserto. Sem qualquer encanto, sem qualquer poesia. Porque a escravidão requer um esvaziamento do ser, uma ausência. Requer autômatos e não seres humanos. Ainda assim, perguntas podem surgir como tábua de salvação: o que fazemos aqui, porque nos deixamos. 

Já vi pessoas, homens ou mulheres, com tudo o que o dinheiro pode comprar, com tudo o que os relacionamentos podem oferecer e que se questionavam: o que fazemos aqui, não somos felizes. Escravos sem correntes, sem celas, sem prisões físicas. Nem por isso menos escravos. O que tinham eram tais perguntas que poderiam buscar responder. 

Antes que escravos se tornem parasitas, ou mesmo escravos, o espírito avisa, chama a atenção. Dá sinais, procura ajudar. O espírito não quer isso para ninguém. Não é uma escolha espiritual, nunca. Há quem seja escolhido por causas que não compreende. Mesmo assim, haverá sempre horizontes, diáfanos ou não, possíveis de surgir para qualquer um, por mais escravizado ou escravizada que esteja. 

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