terça-feira, 18 de dezembro de 2012

A senhora internauta

Começo do ano, no aeroporto de Brasília, reparei a quantidade de pessoas com notebooks sentadas na sala de espera do embarque. Acompanhadas, desacompanhadas, não importava, pois a atenção era toda para o computador no colo, encima das malas, ou qualquer local que apoiasse a máquina. Sentei-me ao lado de uma senhora e para minha surpresa ela puxou assunto, pois normalmente diante de um notebook as pessoas parecem robotizadas e só têm olhos para a máquina. O espaço circundante parece não importar, a máquina hipnotiza. Ela me disse que o computador era o meio dela se comunicar com a filha, por meio de blogues e twitter. Como assim? As duas tinham blogues e contas no twitter e se comunicavam mutuamente nos comentários, e era a forma de manterem contato. Achei curioso, porque não se comunicam privadamente, por telefone?

Sempre que quero falar com minha mãe, ligo para ela, mesmo porque ela não tem blog. Mamãe com blog, reservada e discreta do jeito que é, se comunicando com a filha via internet diante de um público desconhecido? Nunquinha. Aliás, ela não gosta de ver as histórias da família aqui no meu blog, mas explico que é literatura e não exibicionismo. Que eu gosto de escrever ela sabe, pois me vê escrever desde pequena, mas não imaginou ver as histórias da família expostas num blog. Blog, hoje em dia, é supernatural, mamãe, eu explico para ela. É uma maneira prática das pessoas exporem o que podem ou sabem expor.

Expor? Mamãe é muito contra exposição e o tempo passa e ela fica cada vez mais reservada. Já sugeri que fizesse um blog para mostrar sua casa, seus temperos, a praia, a decoração que ela adora e escrever um pouquinho, pois mamãe escreve adoravelmente. Já disse a ela: mamãe, tire umas fotos daqueles pezinhos de salsa em vasinhos na área de serviço e publique num blog, tire uma onda de que é uma pessoa ligada à natureza. Aí reitero que não se trata de exposição, de exibicionismo, mas de arte, de necessidade de expressão artística.

Só que mamãe é de uma linhagem de mulheres cheias de mistérios, e sou um pouco assim também, embora tenha blog e me exponha. Ah, precisamos aprender a lidar com a exposição, com o ridículo. Por aqui busco quebrar um pouco essa “casca”, esse invólucro de discrição que sempre foi um exemplo para mim.

Sim, mas a senhora no aeroporto. Enquanto ela teclava, clep, clep, clep, conversava comigo, contava sua vida, a vida da filha e eu olhava o relógio para ver as horas e nada de me chamarem para o embarque. Não que eu deixasse de dar atenção a ela. Ouvia tudo o que ela me dizia e concordava, discordava, sim e não, baixava e levantava a cabeça.

Você tem blog, minha filha? Ela me perguntou. Sim senhora, mas o meu blog é para outras finalidades, não me comunico com minha mãe por meio dele, pois para isso há outros meios mais privados. E o que é privado hoje em dia, minha filha, depois da internet, dos blogs? Se não fosse a internet, eu teria perdido contato com minha filha que mora no exterior e passa perto de vinte e quatro horas no computador. E é por meio da internet que ela fala comigo, com o filho que está no Brasil e encontra o marido e os outros filhos que moram também no exterior, sabe como é? Tudo por meio do blog, minha senhora, é? Sim, ela me respondeu.

Fiquei sem compreender, pois mesmo na internet há meios privados de encontrar o marido, um MSN, um facebook, mas no blog? Inacreditável, muito sem noção. Os relacionamentos virtuais são comuns, há quem prefira os sites de relacionamento a encontrar os amigos pessoalmente. Há amizades ferrenhas de pessoas que nunca se viram, amores intensos virtuais e assim por diante, mas encontrar o marido nos comentários de um blog, de um twitter, é o cúmulo. Aonde vamos parar? Aonde a tecnologia irá nos levar?

E a senhora teclava e se expunha na internet, se expunha para mim, uma estranha, eu pensava nessa necessidade que as pessoas têm de se exporem, e muitos perdem mesmo a noção das coisas. E a senhora teclava, clep, clep, clep e não satisfeita conversava comigo e de vez em quando até olhava para mim e contava do neto e contava do genro e contava e contava e contava, não sei se o mesmo que contava no blog ou no twitter, se as histórias eram as mesmas, ou se ao mesmo tempo em que ela contava uma história no blog, contava outra diferente para mim e a ansiedade da senhora exalava, enquanto isso nada de chamarem o voo que eu esperava e cadê meu notebook?

Não sou de andar com um notebook a tira colo, não fico mais do que quatro horas diárias na internet, mas naquela ocasião me fez falta, pois a senhora entrou num frenesi de teclar e me contar detalhes íntimos da sua família. Tirei da bolsa uma serrinha de unhas e passei a serrar as unhas e assobiar.

Aqui minha filha, o meu e-mail, o meu blog, o meu twitter, o facebook, a gente se encontra por aí, está bem?

Haviam chamado o voo da senhora internauta
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8 comentários:

Paulo Laurindo disse...

Penso que estamos todos nos reinventando a partir do uso desta ferramenta. Aonde iremos parar, não sei. Mas nunca seremos como antes.

Vera disse...

Ahahahahahaha! Sinceramente? Foi o melhor post que li hoje. E olha que dei uma boa vasculhada em blogs.
Adorei a tua forma de escrever e de descrever a senhora intenauta. Eu pude vê-la aqui do meu lado, com o note no colo, lógico!
Muito bom! Show!

Abraço.

Ana Lucia Franco disse...

Paulo, eu mesma adoro esta ferramenta, tanto que estou aqui, aprendendo sempre..

Ana Lucia Franco disse...

Vera, muito legal isso, volte quando quiser..

Sylvio de Alencar. disse...

Hoje já dá para perceber o pessoal mais moço plugado através do cell... As conexões estão mais baratas... Realmente, um papinho basico e ao vivo é bem legal, mas até onde isso irá..., vai saber! Nas grandes cidades já percebemos que a coisa está caminhando para um 'cada um no seu nicho'.
Vc está escrevendo bem, minha querida.

Abração!

Ana Lucia Franco disse...

Oi Sylvio, muito legal tua visita, sou da turma do "ao vivo", fora de muita virtualidade..

Marcelino disse...

Interessantíssima a imagem de uma pessoa serrando as unhas enquanto outra tecla num notebook,, mais interessante ainda quando acrescentamos a diferença de idade entre quem "serra" e quem "tecla", deu uma pitada algo que irônica no texto. Valeu!

Ana Lucia Franco disse...

Marcelino, nem tanta diferença de idade assim, pelo menos cronológica. Cada vez confio menos na idade cronológica das pessoas, sabia? Onde está a bem vinda sabedoria da velhice no mundo de hoje??

abrs.