quinta-feira, 25 de abril de 2013

O monstrego da pausteurização

De vez em quando, frequento o restaurante Girassol, em Brasília. Revejo amigos e como uma caprichada comida vegetariana. No Girassol, fiz um curso sobre vegetarianismo que mudou minhas concepções alimentares. Parei de comer açúcar, cereal refinado e de tomar leite. Carne eu já não comia há muito tempo.

Semana passada, no Girassol mesmo, uma conhecida comeu açaí. Nunca me arvorei a comer açaí no Girassol nem em outro lugar. Conheço o açaí muito antes do boom mercadológico que hoje o exporta para diversos países.

Na minha infância, açaí se chamava “Jussara” e tinha bastante na casa dos meus avós. Naquela época, havia todo um cuidado para se comer açaí. Não se podia comer açaí depois das refeições para não dar congestão. Quando tinha açaí, normalmente só se comia o açaí, que não podia ser misturado a outros alimentos. Para não dar congestão. E se evitava comer açaí à noite para não atrapalhar o sono. Açaí era um alimento cheio de senões. Hoje se come muito açaí e não faz mal a ninguém. Expressei isso lá no Girassol e me disseram que o açaí comido hoje em dia é totalmente pasteurizado por isso não faz mal. Mesmo o açaí lá do Girassol. Fomos até a cozinha do restaurante para saber como é feito o açaí lá. Constatamos que é a partir de uma polpa em cuja embalagem consta: pasteurizado.

Pasteurizaram o açaí como pasteurizaram o leite e tudo o mais. Pasteurizar é retirar de um alimento suas propriedades naturais e nutritivas, com o objetivo de comercializarem o alimento. O leite, por exemplo, para ser comercializado em larga escala, teve que ser pasteurizado para que não fizesse mal. O alimento não poderia ferir certas peculiaridades alimentares. Até mesmo uma pessoa alérgica a lactose pode ingerir leite pasteurizado que não faz tanto mal. Porque de lactose tem pouca coisa no leite industrializado. Antes mesmo de deixar de ingerir lactose, eu não tomava leite de caixinha há muitos anos. Só que não abria mão do leite integral vendido numa fazenda perto de onde moro, onde vendem-se também queijos e outros derivados do leite. Quando passei do leite de caixinha para o leite da fazenda, senti a diferença. Acometeu-me certo mal estar. Pensava se a vaca tinha mesmo a obrigação de me alimentar. A vaca que produz leite pasteurizado toma hormônios para aumentar a produção de leite. A vaca da fazenda, não. Ali estava um alimento que naturalmente não era para me alimentar. A natureza é sábia, e isso não é um clichê.

A pasteurização é um fenômeno industrial. Os alimentos pausteurizados devem atingir certo padrão comercializável. Com isso, não fazem bem nem mal. Não fazem nada. Caloria vazia. E o corpo que precisa de nutrientes recebe um alimento sem qualquer nutriente. Podemos nos enganar, mas nosso corpo não se engana. Pode-se adoecer por carência alimentar quando se tem uma alimentação baseada em calorias vazias. Podem pasteurizar hábitos alimentares, mas não conseguem pasteurizar nosso corpo que mais cedo ou mais tarde reclama.

A inocente pasteurização é, na realidade, monstruosa. Um monstrego cheio de tentáculos que atinge não só alimentos. Atinge pessoas, ideias, educação, política. Tudo mais que deve obedecer a padrões toleráveis e com isso perder sua razão de ser, seu sentido, sua alma, para que seja comercializável em larga escala. Pessoas se deixam pasteurizar pelos mais variados motivos. Melhor se pasteurizar do que lidar com aspectos que podem ocasionar congestão. A pasteurização humana é mais complexa porque não se consegue, com facilidade, alijar a alma da sua substância. Consegue-se, talvez, fingir que a substância não existe. Abafar de alguma maneira. Jogar para debaixo do tapete. Até que emerge. O monstro do Lago Ness, lembram? Monstro no bom sentido. Um inocente monstro alijado pelo maléfico monstro da pasteurização. Monstro por monstro, prefiro os naturais aos da indústria que pasteuriza para atingir lucros.

Dizia para uma amiga ontem, quando tive a ideia de escrever este texto: agradeça ao que te deu voz, ao que soltou teus monstros. Ao que te deu cor, livrando-te dos tons pastéis. Teus monstros não são tão maus. Ao menos são teus. Como se transcender os monstros, como transmutá-los, se ao menos se sabe do que se trata. Não nos deixaram saber, percebes? Nos pasteurizaram, percebes? E de repente uma voz que não cabe em nós pode ser ouvida. Acordada finalmente.

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