domingo, 23 de junho de 2013

A alquimia do momento..


Discursos superficialmente coerentes, impregnados de obviedades, cada vez colam menos. Plásticos cada vez mais imprestáveis.  Menos manipulação por meio de sacadas de mídia ou discursos de plástico. E de quebra, fora qualquer espectro do Admirável Mundo Novo, do Aldous Huxley, livro que descreve uma assombrosa sociedade em que o poder instituído taxava  pessoas por critérios tais como a estatura, idade, peso, aparência externa porque não havia sensibilidade para avaliações mais cuidadosas e profundas. Que jamais se chegue a tal ponto de embrutecimento. 

E por falar na estupidez da humanidade, ela pode existir sim, mas a maior estupidez é não se reconhecer parte desta mesma humanidade e com sua parcela de estupidez. Há estupidez de todo tipo. O que não significa que não se lute até o fim contra a estupidez, mesmo que não se logre vencê-la completamente.  

Uma das lições dos recentes manifestos populares é: o povo sinaliza que não quer mais ser manipulado, mostra que não é massa de manobra. O movimento tem contornos de exercício de cidadania. Há muito de positivo nos recentes acontecimentos. Há um elemento imprevisível não apropriável por mecanismos midiáticos ou políticos. Que fique a lição não só para políticos, também para todos com  inclinação  para manipularem outras pessoas:  "não somos tolos", é o discurso subjacente ao que parece um manifesto caótico, de reivindicações mal direcionadas. Não temos tradição em manifestações desta índole. Em algum momento a cidadania, garantida pela Constituição Federal, tem que se expressar. Um pouco sem jeito, como pintinho saindo do ovo. A cidadania é também um hábito. Precisamos nos habituar a ser cidadãos.  

As últimas manifestações semelhantes aqui no Brasil datam  do início dos anos 90, quando o ex- presidente Collor, na iminência do impeachment, pediu às pessoas que saíssem para as ruas, vestidas e vestidos de verde e amarelo, para defendê-lo. Saíram todos de preto, uníssonos: fora Collor. Fora corrupto, fora mentiroso, fora manipulador. Um grande baque no poder instituído. E derrubamos um presidente num movimento surpreendente. Há muitas semelhanças entre o que ocorreu no início dos anos 90 e o que ocorre agora. O mesmo grito inaudível, subjacente: "estamos fartos de sermos enganados". 

Nos poupem  de discursos que resvalam no patético refrão: " a lição nós sabemos de cor, só nos resta aprender". De políticos e dirigentes que por anos a fio repetem o que não conseguem internalizar em camadas mais profundas. O que, no mínimo, gera ações incompatíveis com discursos. Estamos de ouvidos apurados para os ecos dos bastidores. Não tentem nos enganar. Eis o recado das ruas fervilhantes. 

Há mecanismos políticos e sociais treinados para uma avaliação de pessoas como se fossem massa de manobra, totalmente previsíveis e apropriáveis. Grande desrespeito a um ser humano. É um empobrecimento subtrair da vida o elemento "surpresa". E  é uma dinâmica presente não só nos meios políticos. 

No dia seguinte em que, no facebook,  parabenizei Brasília pelas manifestações pacíficas na cidade, ocorreu um levante na praça dos três poderes em que quase depredaram o Itamaraty e a Catedral, recém reformada.  Avançaram nos espelhos d`água do Itamaraty. O paisagismo assinado por Burle Marx e a badalada escultura "Meteoro", de Bruno Giorgi, pediram socorro. Fogueiras foram ateadas no gramado em frente à praça dos três poderes por cidadãos (é, prefiro chamá-los assim) encapuzados.  Um clima de terror digno da Ku Kux Klan.  A mídia oficial ratificou a tese de que há vândalos incorporados, e são minorias que maculam um movimento bonito de reivindicação social. Tal dicotomia pode não ser tão óbvia. No caldeirão social borbulham forças antagônicas que agora se expressam.  Sem resvalar em obviedades, não dá para exigir correto emprego de verbas públicas e depredar o patrimônio público. Claro que não dá. E declino de escrever o óbvio. Há no que ocorre um elemento incoerente mesmo, que também, até infelizmente, faz parte e deve ser visto com cuidado, compreendido para além  dos rótulos, dos mantras, dos dogmas, do superficial "certo e errado". O momento histórico pede uma avaliação menos óbvia e mais sensível. Nada do que é humano pode nos horrorizar. Já vi referências a anarquias, golpe militar, retrocesso ou avanço a curto prazo. Tudo muito distante do que o momento presente requer: lucidez no contato com a realidade. O momento, agora, precisa ser sentido, com menos preocupação  com os rumos e mais foco no processo de exercício da cidadania. Mas que a lucidez floresça e suplante a raiva. 

3 comentários:

Anônimo disse...

Prefiro qdo vc escreve assim. Prefiro a proseadora à poeta apesar da poeta ser otima.

*-*

L.

Nilson Barcelli disse...

O povo tem o direito (e o dever) de excercer a cidadania sempre que se justifique.
Magnífico texto, gostei muito.
Ana Lúcia, tem um bom fim de semana.
Beijo.

Ana Lucia Franco disse...

Olá poeta! Que surpresa boa teu olhar..