quinta-feira, 20 de junho de 2013

O assustador pronome indefinido.

Hoje, ficamos quase duas horas em um engarrafamento. Desde onde o cerrado deita livremente sua vegetação, já se via o aglomerado de veículos sob sol forte. De longe, pareciam ondas de um mar metálico que tremulavam à esmo. Os veículos pareciam disformes, diluídos em fótons. Liquefeitos. Ilusão de ótica. O engarrafamento parecia ilusão de ótica. Tão incomum.

Porque o trânsito parado? A inquietude do mar de metal aliada a algo ameaçador no ar. O pronome "algo" é perfeito neste momento. Remete à indefinição, à instabilidade.

Mas o engarrafamento. Alguma manifestação popular vinha no sentido do mar de metal para se banhar em fótons, talvez.

Era isso mesmo. Uma manifestação que nasceu sabe-se lá onde e ganhou a avenida em frente à Escola Fazendária e avançava no sentido São Sebastião. Para quem não conhece Brasília, o local situa-se a mais de dez quilômetros de qualquer sede de poder. E avançavam por onde o poder instituído fica cada vez mais distante. Incompreensível. Brasília é um local de avenidas largas, que sobeja espaço. Manifestantes ficam à vontade, não há tumulto, o espaço não permite. Mas ali, distante do centro, o espaço transitável não é tanto. Manifestavam-se contra o que, contra quem? De quem queriam chamar atenção, justo ali? Quem se manifesta, o faz diante do alvo da manifestação, de outro modo o levante é ou pode ser inócuo. Ou não. Cada vez menos dá para dizer como as coisas são ou deveriam ser. Caos, aglomerado de tensões. Forças antagônicas e irracionais afloram e espargem em várias direções. O gérmen de alguma mudança. A pulsão de um cosmo renovado. Tomara.

Problemas sociais que sempre existiram agravaram-se sob a égide do que seria um governo libertário, formado por trabalhadores. Mero idealismo. O povo se sente traído. Sabe que, no final das contas, não são os interesses populares que prevalecem e sim os interesses dos que sempre prevaleceram. Tudo igualzinho ao que sempre foi. Com o agravante de intensivas políticas "pão e circo", que mais manipulam e subestimam do que auxiliam a população. 

O povo agora quer e não sabe, ao certo, o que quer. Ou quer o que sempre quis, o que sempre foi prometido: educação de qualidade, transporte, segurança, bom destino das verbas públicas. Mas, neste momento, parece querer algo mais. As manifestações, pelo menos as que acompanho, têm um quê intuitivo. Os manifestantes que vi hoje, perto de casa, sequer se faziam claros em seus objetivos. Ecos tão finos se perdiam na luz abundante de Brasília. Tinha-se que desligar o carro para ouvi-los. E nem assim se faziam ouvir. Havia um cartaz branco com algo escrito. Algo, o assustador pronome indefinido. O cartaz era empunhado por uma moça na frente da passeata. E seus dizeres eram totalmente ininteligíveis. Se a moça quisesse se fazer entender, não envergaria um cartaz branco, sob a claridade Brasília, escrito a caneta Bic. Mas era aquele mesmo o espírito da coisa. Entenda quem puder. Há o que transcenda o conteúdo das reivindicações. Não é questão de vinte centavos de aumento no preço de passagens de ônibus. É um movimento de caráter difuso, apartidário. Intui-se algum vilipêndio maior do que o aumento em vinte centavos do preço da passagem de ônibus. Alguma roubalheira mais gravosa que a do mensalão. A roubalheira de consciências. De substâncias pensantes.

Quando o povo é tratado na base da mendicância, enquanto escolas continuam sucateadas. Enquanto privatizações favorecem cartéis econômicos. Enquanto o governo pretende, claramente, distorcer a Constituição da República ao esvaziar instituições como o Ministério Público e a Advocacia Geral da União ao submete-las ao poder Executivo e sua politicagem. Enquanto isso, retira-se do povo algo mais, à primeira vista indefinível. Mas que toca fundo. E o povo, agora, cobra. A massa avança, a despeito de qualquer prognóstico. Imprevisível. A massa parece não pensar e mais que pensa, também intui. E reivindica, e manifesta sua insatisfação. A massa é constituída dos que ganham bolsa do governo e dos que não ganham. Todos foram traídos. Gravemente feridos.

Nenhum comentário: