Alguma coisa está fora da ordem, fora da nova ordem mundial. Assim é a letra de uma canção do Caetano Veloso. Algo está fora da ordem, pessoas estão fora da ordem. Uma multidão busca se alinhar no atual momento. Há uma ordem mundial, parece. Quem lucra com isso são os que, supostamente, estão dentro da ordem e podem aconselhar ou tratar quem está fora. Terapeutas, conselheiros, curadores. Hoje em dia há um “boom” dessas coisas. Além do boom autoajuda na literatura. Um boom de doidos por ajuda e dos capazes de ajudar. Parecem dois polos, mas talvez não sejam. O ajudado contribui para que o ajudante se sinta útil. Contribui para que seu sonho se realize. E o ajudado tem a impressão de que está sendo cuidado.
Tenho parece que um imã para pessoas com algum tipo de questão alinhável. Deve ter sido a faculdade (trancada) de psicologia que iniciei. A especialização em psicanálise que quis fazer. Já pensei em me especializar em algum tipo de terapia.
Conhecido assim, agora, o tratamento, por minha parte, é meio atípico. Tem funcionado. Ah, está com problema, é? Venha me ajudar na creche. Vá visitar um hospital de doentes terminais, um asilo, vá lá. Vá recitar poeminhas para crianças com câncer, no hospital de base. Elas adoram, os olhinhos brilham com as metáforas, algumas melhoram. Está com problema, é? Vá ajudar a distribuir sopa para viciados em crack em Samambaia. Que isso, Ana! É o que me dizem. Pois é.
Bem objetivamente, um dos maiores problemas da nova ordem é gerar pessoas tão autocentradas que consideram seus problemas enormes, nem sabem que há problemas muito maiores. Perdem-se nas suas cabeças de alfinete problemáticas e nem sabem o que é problema de verdade. Certas terapias só aumentam a bola de neve. Transformam a cabeça alfinete em algo maior. É compreensível, o terapeuta vive disso, não dirá para o paciente que, na verdade, o problema dele não existe. Salvo poucas exceções, colocará lenha na fogueira e, quem sabe, até criará problema que não existe para alimentar o sistema. Há sistemas ou subsistemas que conseguem ser bem mais perversos do que o grande sistema capitalista. Sistema que é cura na fachada e dependência em níveis mais profundos. Tornam o paciente infantilizado, dependente. Nunca curado. Quanto mais sistemas de curas a pessoa experimenta, mais precisa ser curada, sem que, de substancial, nada tenha ocorrido.
Já que não me tornei terapeuta, dou minha contribuição de outro modo. Posto aqui a historinha do pintinho preso no ovo, que criei.
Era uma vez, um pintinho preso no ovo e tão perturbado por causa disso. Dentro da casca do ovo, ele tinha tudo e não tinha nada. Lá, o pintinho tinha papai, mamãe, terapeutas, caminha, larzinho. Mas vivia sempre tão necessitado, tão incomodado e nem sabia direito com o que. Era difícil o pintinho se distrair com alguma coisa, tocar algum projeto adiante, realizar algo. Todo tempo era gasto na cura de uma suposta doença.
Até que um dia, o pintinho decidiu bicar a própria casca. Prestem atenção, o pintinho “decidiu”. Só quem decide é quem pode. Muitos problemas surgem por pura falta de decisão. Creio que quem tem a possibilidade de decidir sobre a própria vida não decidirá ter problemas, pagar terapeutas, incomodar papai ou mamãe numa idade em que, realmente, eles merecem muita coisa, menos preocupações e problemas de filho crescido.
De repente, como se subitamente tocado, o pintinho começou a bicar a casca do ovo. Um movimento muito trabalhoso, e ele foi adiante porque assim decidiu. Bicou, bicou. Até que a casca se desfez e ele viu outros pintinhos além dele com problemas muito maiores do que ele enfrentava. Ele não era o único pintinho necessitado. Ou melhor, era um dos pintinhos menos necessitados das redondezas. Teve sempre tudo tão na mão. Tanto carinho, tanto mimo. Os problemas do nosso pintinho não tinham motivo algum perto dos que realmente tinham motivos para problemas. O que mais impressionou o pintinho foi que muitos dos que tinham motivos para terem problemas, não tinham. O pintinho foi tomado por uma imensa vergonha. De amarelinho ficou vermelhinho de vergonha. Uma vida consumida com problemas inexistentes ou tão pequenos. Na verdade, o pintinho nem sabia direito o que queria. Talvez quisesse ser feliz. É o que todos pintinhos querem, felicidade, o que não depende do que o pintinho sempre imaginou que dependesse. Quebrar a própria casca lançou o pintinho em um outro paradigma. Conseguia ver, enfim, outros pintinhos. Poderia ajudá-los a medida em que também era ajudado. Ao romper a casca, o pintinho cresceu. Cresceu. Cresceu. Hoje é um lindo galo.
De repente, como se subitamente tocado, o pintinho começou a bicar a casca do ovo. Um movimento muito trabalhoso, e ele foi adiante porque assim decidiu. Bicou, bicou. Até que a casca se desfez e ele viu outros pintinhos além dele com problemas muito maiores do que ele enfrentava. Ele não era o único pintinho necessitado. Ou melhor, era um dos pintinhos menos necessitados das redondezas. Teve sempre tudo tão na mão. Tanto carinho, tanto mimo. Os problemas do nosso pintinho não tinham motivo algum perto dos que realmente tinham motivos para problemas. O que mais impressionou o pintinho foi que muitos dos que tinham motivos para terem problemas, não tinham. O pintinho foi tomado por uma imensa vergonha. De amarelinho ficou vermelhinho de vergonha. Uma vida consumida com problemas inexistentes ou tão pequenos. Na verdade, o pintinho nem sabia direito o que queria. Talvez quisesse ser feliz. É o que todos pintinhos querem, felicidade, o que não depende do que o pintinho sempre imaginou que dependesse. Quebrar a própria casca lançou o pintinho em um outro paradigma. Conseguia ver, enfim, outros pintinhos. Poderia ajudá-los a medida em que também era ajudado. Ao romper a casca, o pintinho cresceu. Cresceu. Cresceu. Hoje é um lindo galo.
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