terça-feira, 18 de dezembro de 2012

A avenida que passou por minha vida

Sempre que meu irmão vem a Brasília, faz um tour sentimental pela cidade. Visita a quadra onde moramos, o colégio onde estudamos, visita seus amigos de infância. Não sou tão apegada ao passado quanto ele, por melhor que tenha sido. Procuro olhar para frente e não para trás. Mas, o passado pode se inscrever não só na memória, mas em alguns lugares que mesmo no presente têm clima de passado. Assim, impossível não sentir aquela que foi a avenida que passou por minha vida: a W (weast) 3 sul. Localiza-se à oeste da asa sul, conforme o projeto de Lúcio Costa. Morei por muitos anos numa das primeiras quadras que ladeiam a avenida no sentido leste da cidade, a 303 sul.

Quando criança, percorria a W3 diariamente para ir até o colégio Dom Bosco, que fica à beira da avenida, na 702 sul. Íamos eu, meu irmão e Maria, a babá que nos acompanhava. Sempre que a vejo, nos lembramos dos passeios até escola, em que ela tinha um duplo movimento de atenção: cuidado extremo com o afoito do meu irmão que gostava de correr desavisadamente. Atenção comigo para quem uma joaninha no gramado em frente à Igreja Dom Bosco era motivo para me deter por um tempo além da conta. Com ele era: para aí, Zeca. Comigo era: vem, Ana!

À tarde, retornava com Maria até a avenida, pois fazia ballet na Ofélia Curvelo que naquela época ficava na 503 sul, quadra de prédios comercias que ladeiam a avenida no sentido leste. Isso, diariamente durante anos.

Nos finais de semana, eu e meu irmão íamos até as quadras comercias da W3 para comprarmos figurinhas que colecionávamos e decalcávamos em álbuns que deveriam ser integralmente completados. Também comprávamos revistinhas em quadrinhos que líamos sentados na calçada lateral da banca de revista. Boa parte da nossa mesada ficava nas bancas de revista.

A W3 foi projetada para ser um grande centro de lazer e comércio da cidade, o que quase foi nos anos 70. Depois decaiu: o advento dos grandes shoppings centers tirou as pessoas da avenida. E, hoje, mesmo o comércio de rua das entre quadras residenciais é melhor do que o da W3, que atualmente é uma relíquia da cidade. Um grande museu a céu aberto que nas linhas e nas entrelinhas muito tem da história de Brasília. A arquitetura das lojas comercias que ladeiam a avenida se mantém intacta, pois a cidade é tombada. A W3 de 1978 é exatamente a mesma de hoje, alguns locais nunca foram reformados ou pintados.

Nas décadas de 70 e 80, era chique morar nas casas geminadas que ladeiam a W3 no sentido oeste, formando as quadras 700 (702 a 716). Eram casas sem muros, amplas, algumas com três andares, incluindo o subsolo. Hoje, ninguém se atreve a morar nas casas da W3 sem pelo menos uma cerca eletrificada na frente e dos lados. Brincadeira. Mas, com o tempo, as casas ganharam muros e grades que corromperam a proposta das moradias, conforme o projeto de Lúcio Costa. O local perdeu o charme. Aos poucos, os moradores se mudaram de lá para residirem em locais mais seguros. Atualmente, o que antes eram charmosas residências se transformou em hotéis e pensões de quinta categoria. Um pouco decadente, hoje em dia, residir na W3.

Quanto à avenida em si, é a mais evitada pelos motoristas, que passam por lá apenas quando não têm outro caminho melhor ou quando vão deixar seus filhos nas escolas, pois a maioria das escolas de Brasília fica nas quadras 900, posteriores às 700, e é quase inevitável passar pela W3 para chegar nessas quadras. Motoristas evitam a W3, pois lá existe um sinal de trânsito a cada cinquenta metros, mais ou menos, e são os mais demorados da cidade. Facilmente a avenida engarrafa.

Eu não me importo. Passo pela w3 com muito prazer e, parada em sinais de trânsito, aprecio suas antigas sibipirunas, viajo um pouco no tempo, pois a avenida é isso: uma viagem aos primórdios da Capital.

Um comentário:

Unknown disse...

Uma viagem pela memória. Essa mentirosa que teima em nos colocar no lugar de antes, negando a passagem do tempo, levando-nos pelas mãos, através do tráfego, do trânsito. Senti uma nostalgia, e ao mesmo tempo, a vontade de percorrer os meus caminhos de ontem, esperando o surgir de novas velhas lembranças. Beijos.