sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

O gene Florbela Espanca e a alegria de proveta








                                                 (Florbela Espanca imagem daqui)




Minh’alma, de sonhar-te, anda perdida
Meus olhos andam cegos de te ver !
Não és sequer a razão do meu viver,
Pois que tu és já toda a minha vida !


              (Primeira estrofe do soneto fascinação
               de Florbela Espanca)



A poeta portuguesa Florbela Espanca versejava em sonetos decassílabos primorosamente elaborados e sua dor de amar transparecia em seus versos. Florbela amava intensamente. Correspondida ou não correspondida, mero detalhe. Ao ler seus versos, fica clara sua postura amorosa de  incompletude. Florbela viveu em meados do século passado, época do modernismo europeu nas artes. Mas era romântica à moda de séculos anteriores. Faltava a Florbela ela mesma, que tinha sua arte, e nem assim alguma completude. 

O gene da incompletude amorosa, nos moldes de Florbela Espanca, parece rarear. De vez em quando, recebo em casa amigas da minha filha adolescente. Aproveito para tentar rastrear algo do gene Florbela Espanca nas meninas quando o “papo” é sobre namoricos. Questiono, procuro saber, fico atenta a algum indício. Não encontro. De geração em geração,  parece ficar no mínimo fora de moda o tal gene. A turminha que nasceu no boom do milênio não tem a menor inclinação para obsedar algum deus fabricado pela própria carência e desamor. No jogo de aparências, o desamor pode parecer amor. Mas continua a ser o que é. Por mais que se tente afirmar: “eu amo!”, o que se consegue vibrar é o próprio desamor. A própria gritante incompletude. 

Somos incompletos, sim. E há quem aposte alto no jogo de tentar disfarçar a incompletude. Os mais engraçados fabricam alegria. Transparecem ares de animador ou animadora de torcida. De loira de programa de auditório: vamô lá galeeerrraaa. Como eu sou alegre. Como sou para cima.  No meu terreno não há crises, fiquem sabendo disso! E rodopiam, sobem e descem, faxinam mansões se for preciso. Espanadorzinho em punho, botam a poeira para correr, com muita agilidade. Enquanto fazem almoço, jantar, batem panelas. Colhem frutas no pé. Plantam. Upa upa. Quanta disposição. Ligam o play e repetem mantras “prá cima”. Têm conhecimento superficial de muita coisa. Tantas cartas na manga. A alegria pré-fabricada precisa de autoafirmação. Do que a ratifique. De uma plateia.  Mesmo assim, nem sempre disfarçam a verdadeira vibração: a profunda dor. Uma fumacinha transparece, feito incenso indiano, mas não é incenso, não.  Os alegrinhos artificiais são capazes de passarem uma vida toda sem tocarem na dor da incompletude. A exilam num quartinho dos fundos qualquer. E não raro escolhem alguém em quem projetam o próprio conteúdo. 

Os doloridos da alegria de proveta precisam de alguém. Muitos e muitos alguéns, enquanto o próprio alguém se perdeu, ficou no mesmo quartinho onde está exilada a dor. Que não se o abra. Nem com  esforço, escondem por muito tempo a dor que sentem. Aqui e ali transbordam, se entregam, dão bandeira de que na realidade a alegria é um imenso ban-aid. São ótimos quando não perturbam. Quando não te pegam para “cristo”. Quando não são invasivos e nem obcecados, ao ponto de se ter que alertar: “vai viver a tua viva”, “cuida do próprio umbigo”.  Mas cadê a vida própria?

A alegria é um sentimento maravilhoso e muito, muito diferente da alegria artificial, que é estridente, teatral, dona da verdade, negativamente maleável para se ajustar às demandas exteriores, aos relacionamentos, ao que for. Querem, para ontem, alforria do quartinho da incompletude. No campo dos relacionamentos, cruzes, pagam mico, largam tudo, se anulam, perdem valores, fazem o que for para manterem o teatro do amor/desamor, o jogo de espelhos do parece mas não é. Podem ser grandes artistas como Florbela Espanca e nem assim se equacionam, ou até mesmo por isso. Não atravessam bem o cômodo da incompletude. Todos temos este cômodo. 

A raridade do gene Florbela Espanca não significa que o romantismo acabou, pode ser que tenha mudado de feição. O romantismo que, nas artes, tanto acrescentou à humanidade.

O romantismo não acabou porque continuamos incompletos num campo de erros e acertos.  Evoluir pode representar uma responsabilidade maior,  voltar-se para o que pode completar não só a nós, aos que nos cercam também. Menos egoístas, mais íntegros, felizes e autenticamente alegres. Sabemos que somos incompletos e, ao invés de resvalarmos em bizarrices como alegria de proveta, procuramos meios de nos auxiliarmos mutuamente. Abrimos as portas do quartinho esquecido. As janelas. Ninguém precisa saber da nossa faxina. Não precisamos anunciá-la num auto-falante. O movimento é discreto.  Sabemos que o quartinho existe e vamos faxiná-lo continuamente. Pois esse mesmo quartinho abriga o tesouro da nossa autenticidade, do sentimento mais profundo, da nossa humanidade. Não precisamos da alegria de proveta porque a temos autenticamente. Transborda amor que nos vivifica e não amor que mata, subtrai, encarcera. Trocamos o quarto do jogo de espelhos por este outro quartinho. Atraimos pessoas nesta sintonia, autênticos companheiros de jornada, na saúde ou na doença, na alegria ou na tristeza. Homens (ou mulheres) com quem nos relacionamos real e autenticamente, que nos dão filhos e sorrisos sinceros. A vida arejada, de portas e janelas abertas, tem uma feição única, inalienável. Nesse ponto, a incompletude não nos leva a alienar a vida para amar. A vida assim ganha uma fragilidade bonita e ao mesmo tempo alguma fortaleza. Nada há a alienar para o amor ou para amarmos. O amor é um encontro, não uma perdição ou uma fascinação. 

domingo, 17 de fevereiro de 2013

Experimentos com o lightroom

Aqui no blog, abaixo, está linkado meu endereço do Flickr, onde postei algumas fotos da viagem que fiz. São fotos que editei pelo lightroom, em preto e branco. Se quiserem visitar, bem vindos!

O anti-herói de Dostoiévski ou só a honestidade salva


Neste ano regido por saturno, pensei em um clássico da literatura para comentar aqui no blog, e que tenha a ver com a simbologia astrológica do planeta.  O primeiro nome que me ocorreu foi o de Fiódor Dostoiévski,  traduzido do russo por Boris Schnaiderman para a editora 34. Poderia encontrar algum conteúdo saturnino, também, em Machado de Assis. O escritor russo foi quem primeiro me ocorreu. 

Dostoiévski tem uma forma de escrever charmosa, meio bruta, filosoficamente aguda e lúcida, que traz uma visão mega realista da sociedade russa do séc. XIX, atual em nossa época, reforçando o que extrapola limites históricos ou espaço/temporais. Há um livro de Dostoiévski, curtinho, delicioso, perturbador, que se chama Memórias do Subsolo. Bem poderia ser “Memórias de um Saturnino”. Para terem uma ideia, o anti-herói criado por Dostoiévski (ou por ele captado) e habitante de um subsolo íntimo, assim se define: “Sou um homem doente...Um homem mau..” (...) (pág 15). Ah, nada mais saturnino. Mazelas do ser limitado no espaço-tempo (um subsolo, talvez..). Ainda bem que ele, ao invés de enxergar a maldade nos outros, o faz em si, não projeta. É corajoso o anti-herói de Dostoiévski. Que admite: “ O caso todo, a maior ignomínia, consistia justamente em que, a todo momento, mesmo no instante do meu mais intenso rancor, eu tinha consciência, e de modo vergonhoso, de que não era uma pessoa má, nem mesmo enraivecida; que apenas assustava passarinhos em vão e me divertia com isso. Minha boca espumava, mas, se alguém me trouxesse alguma bonequinha, me desse chazinho com açúcar, é possível que me acalmasse”(...) (pág. 16). Pareceu, ele se conhecia bem.  Ocorreu-me a inscrição do Oráculo de Delfos: “conhece a ti mesmo”. No patamar do conhece a ti mesmo, o auto-engano é um pecado , um “erro de alvo”. Ainda que doa,  a ruindade não está no próximo. A projeção dela em outra pessoa me parece covarde, ignóbil.  Assim, o anti-herói de Dostoiévski, que poderia ser mau, mas covarde não era, me conquistou. Embora atormentado: “Juro-vos, senhores, que uma consciência muito perspicaz é uma doença, uma doença autêntica, completa” (...) (pág. 18). Qual a alternativa, então? Entregar-se cegamente aos prazeres mundanos, capazes de estancar o fluxo da consciência perspicaz? Escolher uma entre várias alternativas para a fuga de si, na Rússia do séc. XIX. Na sociedade contemporânea, interligada, as opções para a tal fuga de si triplicam. Fugir pode parecer melhor do que o subsolo que embrutece e amarga, a ponto de se chegar e dizer: “sou mau”. O anti-herói de Dostoiévski atingiu seu extremo e admite isso no final do livro. A honestidade é um consolo. Mau, mas honesto. E honestamente não dá para fugir.  

Dentro de seu subsolo, é capaz de  perceber uma certa “vida viva”, que lhe poderia ser redentora. Sabe-se o anti-herói  meio morto. Mas, onde encontrar a “vida viva” no mar de auto-engano que sua mente aguda e perspicapaz rastreava. 

Auto-engano, a título de exemplo: a pessoa que não assiste a programas de televisão porque não quer ser manipulada pela mídia e não sai da internet onde está a mesma mídia,  imerso em auto-engano que para o anti-herói de Dostoiévski é inadmissível. Outro exemplo: o intelectual niilista, cercado de diplomas e títulos, quer implodir o super-ego, mas que não se implodam suas cercas. Os heróis do cantor Cazuza “morreram de orverdose”, numa de suas músicas. Os nossos heróis querem só dar entrevista para o Jô ou alguma bizarrice assim. Imersos em contradição, em auto-engano. Afinal, todos estamos ancorados e pretender implodir a âncora alheia, sem se dar conta da própria, é auto-engano, perda de tempo, chamem como quiserem. O anti-herói de Dostoiévski se auto-conhecia, só isso. 

Mas onde estaria a tal “vida viva” que poderia retirar nosso anti-herói de sua amarga masmorra? No cumprimento de papéis sociais pré-determinados que servem de bússula ao homem moderno, como serviram ao homem russo do século XIX?. “Olhai melhor! Nem mesmo sabemos  onde habita agora o que é vivo, o que ele é, como se chama. Deixai-nos sozinhos e, imediatamente, ficaremos confusos, vamos perder-nos; não saberemos a quem aderir, a quem nos ater, o que amar e o que odiar, o que respeitar e o que desprezar” (…) (pág. 146)

Onde está a vida viva para o homem moderno, escravo da internet, do escritório, da repartição. Escravo de padrões midiáticos. Escravo de uma mente que não domina, um penta prisma que não sabe direito o que reflete.  A questão que o livro delineia é assombrosamente atual. E o anti-herói de Dostoiévski nos dá um exemplo norteador: conhece-te, porque só a honestidade salva. 

terça-feira, 12 de fevereiro de 2013

Brasília, Carnaval e Vitor Hugo

De Brasília, vi levas de parentes e amigos se mudarem para o Rio de Janeiro e São Paulo, como se na capital tivesse, recôndito, algum bicho papão que todos viam, menos eu. Permaneci em Brasília, o que é incompreensível para mim, até certo ponto. E não perdi o contato com os que foram, estamos em época de comunicação fácil por meio da internet. 

Uns vão outros vêm. Vou ficando. O que parece não mudar é minha relação com a cidade. Gosto de Brasília por algumas peculiaridades: em época de carnaval,  a cidade me faz esquecer de que é carnaval. Não que eu tenha algo contra a festa, considero bacana para quem gosta. Para quem não gosta, melhor se desviar de grandes centros carnavalescos. 

Em Brasília não há a necessidade de se refugiar do carnaval. A cidade, em si, é um refúgio. Salvo alguns focos carnavalescos cada ano mais pálidos, nem se percebe que é carnaval. No período, prefiro estar em Brasília, não viajo. 

Aproveito para colocar coisas em dia: leituras, escrita, filmes, etc.  Tenho lido dois livros ao mesmo tempo. Um pouco de Dostoiévski. Quanto a filmes,  assisti ao aclamado Os Miseráveis, baseado na obra homônima do escritor francês Vitor Hugo. Por pouco não assistiriamos ao filme. 

Ontem, chegamos ao CasaPark meia hora antes de começar a sessão das 18:00. Lotada. A próxima seria às 21:00. Hum, Brasília lotando cinema no carnaval. Antes, nesta época, havia uma debanda da cidade, viam-se poucas pessoas onde quer que fosse. Seguimos para mais dois locais onde poderíamos assistir a esse filme. Conseguimos assisti-lo no terceiro local. Sessão de 20:50. Ah, poderíamos ter ficado no CasaPark, gosto da sala de cinema de lá. 

Filme bonito, tocante, no estilo musical.  O melhor de tudo: saí do cinema com vontade de reler Vitor Hugo. Que bacana, olhem. Hoje pela manhã, remexi minhas relíquias, bem poderia encontrar algum exemplar de Os Miseráveis, quem sabe. Encontrei outro livro do Vitor Hugo: Os trabalhadores do mar. 

Li Os Miseráveis na adolescência, não devia ter nem quinze anos de idade. Depois, reli uma vez e a impressão que ficou é a sublimidade da obra, atual em qualquer época. Hollywood que o diga. O livro Os Miseráveis toca no que é humanamente  essencial. Nossas questões morais e existenciais parecem não mudar de um contexto histórico para outro. Livro pleno de poesia, que respingou no roteiro do filme, em proporções bem menores, claro. Tem um cunho espírita, também. 

O filme, bem, apesar da grandiosidade da fotografia, das atuações, dos aparatos técnicos, é só  uma cópia pálida da emoção que é ler a obra de Vitor Hugo.  Descobri que a editora Martin Claret está reeditando Os Miseráveis, obra completa, e a livraria cultura a estará disponibilizando a partir do dia 26/02. Para quem não lê no original, fica a dica.

quinta-feira, 7 de fevereiro de 2013

Em ti

Marc Chagall: Blue Landscape, 86k
Chagall - Blue Landscape, 1940

ainda que seja teu 
             corpo
onde ancoro
e me contenho

em ti, perco-me

se me diluo, olvido
do que me limita
para ser em ti muito
além de mim.

e gos(z)to

Ana Lúcia Franco, 2012

Totalidade


                                                    Chagall - Lovers with Half Moon, 1926


convergimos também
no que não nos 
circunscreve
e nem nos limita

é sutil e liquefeito

afluente sem margem
em que nos abrigamos
de nós.

Ana Lúcia Franco, 2012

À beira de ti


microcósmica
estrela

(teu sorriso)

ousa, brilha,
na trilha até
a fronte

à beira, me
agasalho de ti
e navego tuas
encostas

tua essência,
quase toco

e a pureza
do que é dito
e não dito

importa-me
teus dedos
nos meus cabelos

e o sorriso, ah,
que brilha.

Ana Lúcia Franco, 2005

quarta-feira, 6 de fevereiro de 2013

As musas que escolho

                                                    A Bacchante - Elizabeth Louse Viggé Le Brun


ah, órfãos de musas
ah, distância de musas dolentes
ah, ciclo de pesadelo, que venha o
esquecimento

que venham musas de corpos fortes
e almas transparentes, com janelas
sempre abertas para campos em que
tocam os pés e plantam belas sementes.


Ana Lúcia Franco, 2012

terça-feira, 5 de fevereiro de 2013

Tatuagem

                                                                Paul Klee - ad marginem - 1930
minhas águas
abrigam o segredo
de tua febre convulsa

as chaves do teu
desejo nas noites
do meu corpo, do
qual te fazes sol
imprescindível:

amanheces em mim
morno e sereno.

Teu sol desde sempre
tatuado em minha
pele.

Ana Lúcia Franco, 2013



Flores entre pedras


                                                           Flower Stone - Paul Klee - 1910
Regurgitam flores entre
pedras que tentam
amanhecer inaptamente
no seio da poesia

flores que são lisura e aroma;
cor e fragilidade

afrontam pedras e seus enredos velados
de autopiedade, suas rotinas
áridas e doridas, agarrados como arraias
ao que chamam de ofício;
e ainda tentam demarcar
território.                                               

........

algo permance puro e intacto
e refrescamos nossas palavras                               
na infusão de líquidos:
mel, leite, lavanda

sorrisos, sorrisos.

Ana Lúcia Franco, 2013

Tétrica (mente)

                                             (imagem flickr - autor pediu para não ser divulgado)



educados palhaços
delicados palhaços
fazem
apologia ao fracasso
ou qualquer negócio:

uma esmolinha de
atenção por amor
                    (de Zeus

se não tiver, choram
se não tiver, batem
na porta alheia para
inocularem algum conteúdo
                   (docemente.


Ana Lúcia Franco, 2013


segunda-feira, 4 de fevereiro de 2013

Que modismo é esse?!

Ao procurar um presente para dar ao filho de uma amiga no aniversário dele de um ano,  verifiquei que a tal moda caveira chegou até às roupinhas para crianças. Estou estarrecida. Apelidei de moda macabra. A primeira vez que vi uma roupa com caveiras e ossos estampados, pensei fosse um caso isolado: onde já se viu?

Estava enganada. Parece que qualquer tendência de moda, agora, tem lá seus pés na cova. E não é coisa de outono. Difundiu-se nas demais estações e aparece ainda em vigor. Há por aí quiosques de moda caveira: desde mochilas de colégio a canecas e bottons. Todos mortalmente estampados.

A primeira vez que me ofereceram uma blusa com estampa de caveira fiquei horrorizada. Porque você me ofereceu isso, querida? Perguntei à vendedora. Porque estão usando muito, ela me respondeu.

Está aí um argumento que jamais me convenceria.

Sei que daí em diante vejo sempre caveiras estampadas em camisetas, calças, etc. Outro dia vi um broche esculpido em formato caveira, utilizado por uma coleguinha de minha filha. De osso, imaginem. Não se incomoda em usar isso, querida? Claro que não, tia. Adolescentes gostam de nos chamar assim.

Pode-se atribuir a difusão do modismo à força da propaganda, da mídia. Deve ter aparecido em alguma novela, porque basta isto para que uma moda se alastre. Adolescentes, cronológicos ou não, gostam de tribos, de usarem o que os outros estão usando. Ainda bem que minha filha nunca quis uma blusa com estampa caveira. Ela também não gosta. Somos ilhas, Bia, entre os que aderiram às caveiras. Não fazemos questão alguma de pertencer a esta tribo. Também não gostamos da tal moda “oncinha e zebrinha”, apesar de termos lá nossas estampas animais. Temos preferido flores e rendas.

Não compreendo comprarem para um filho pequeno algo da moda caveira. Não é porque se achou o objeto bonitinho. Ou é, há gosto para tudo. Por outro lado, pode ser que não estejam raciocinando direito e, onde há uma caveira, talvez vejam flores ou abelhas. Onde há sóis, mentes perturbadas veem caveiras, e onde há flores raciocinam dejetos. Assim a criança pequena é tacitamente obrigada a aderir a um modismo sombrio que pode nem ter a ver com sua essência.

Recentemente vi as caveiras e os ossos estampados em brinquedos, sapatinhos e blusinhas para crianças bem pequenas. Finalmente perguntei à vendedora o porquê de tais estampas. Ela me respondeu que a moda caveira tem um significado: nos lembrar de que somos todos iguais. Ah. Fiquei sem palavras.

Uma criança pequena precisa ser lembrada disso? Se a trajetória da criança humana, em parte, é até esquecer um pouco disso para se realizar. Lembrar-se de que é uma caveira só depois de um certo percurso de esquecimento. Antes, não.

A justificativa da vendedora não convence. As caveiras que aparecem estampadas não são iguais. Há caveiras brilhosas ou opacas. Há caveiras douradas e prateadas. Se fossem para nos lembrar de que somos todos iguais, apareceriam todas as estampas como nos raios-x.

Para as crianças, se estampem símbolos que representem a vida. Sóis e campos verdejantes nas camisetas infantis, e não caveiras. Símbolos sombrios podem abrir catacumbas. Ou não podem. Melhor não arriscar.

Não há o que justifique a moda caveira, a não ser um afluente mórbido que podemos escolher não navegar.

Para o Iago, filho da minha amiga, não dei nem aqueles bonecos tétricos que aparecem em lojas de brinquedos. Dei um livro de poemas infantis do Olavo Bilac para quando ele aprender a ler. Não foi fácil de encontrar. Cheguei a pensar que fosse impossível encontrar um livro de poemas infantis. Mas encontrei.